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Mato Adentro

Federico Rios Escobar

Para nós, brasileiros, é muitas vezes distante entender as relações sócio-políticas da nossa vizinha Colômbia. Em parte se explica por falta de conhecimento sobre os demais países da nossa América Latina. Assim como entender o Brasil depende de muitas camadas e o domínio de muitos temas, não seria diferente com outras sociedades, cada uma com a sua própria complexidade derivada de uma história e geografia singular.

Nos jornais internacionais é comum ler sobre as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. O quanto conseguimos apreender dessa leitura é uma dúvida. Quando chegamos à notícia, já temos uma série de informações truncadas a respeito. Além disso, muitas reportagens tendem a repetir uma história que já lemos antes, tipificando mais do que aprofundando questões.

Conhecer o trabalho de Federico Rios Escobar é instigante justamente por nos trazer outros relatos sobre as FARC. Por anos o fotógrafo tem se dedicado a acompanhar diferentes grupos armados baseados na selva amazônica. São dias para viajar desde Medellín, sua moradia, até onde eles se localizam e atuam. Podemos imaginar o quanto é custoso e arriscado este tipo de documentação.

Os registros nos levam a dar rostos a essas pessoas. Podemos não entender suas razões, a fotografia não precisa dar conta de tudo, mas passamos a ter outras informações: a presença feminina expressiva, os pertences de cada um, os momentos coletivos, bebês em seus primeiros meses de vida, ou menores de idade que vestem o uniforme camuflado; as diferentes cenas de cotidiano em uma paisagem de mata fechada e profunda.

Em 2016, foi organizada uma consulta popular a favor ou contra o desarmamento. 50,2% votaram pelo não desarmamento, resultado de uma campanha política controversa que estimulou as ambiguidades em vez do esclarecimento de cada proposta. Apesar disso, acordos de paz tiveram continuidade entre o governo federal e as FARC, que passou a ser um partido político em 2017 com o nome Forças Alternativas Revolucionárias do Comum, ou simplesmente, “Comunes”. Mesmo assim, as práticas de guerrilha não terminaram e seguem com algumas frentes dissidentes.

Nesta exposição o confronto bélico está evidente nas fotos por diversos elementos ilustrados nas imagens. Mas fazemos um outro tipo de convite: o de se adentrar um pouco mais nesse verde universo e olhar para quem está sob a farda. Seguiremos com esperança pelos dias de paz.

Erika Tambke – Curadora

 

Texto do Federico Rios Escobar

Verde. Tudo era verde, o rio, a selva e o céu também.

Cada viagem foi um salto à incerteza: contatos clandestinos, mensagens em código, lugares sem nome no mapa, travessias eternas na canoa, moto, mula e a pé. Dias divagando pelas montanhas e os rios da Colômbia.

Já não sei quantas vezes pendurei e retirei a minha rede. Esta foi a minha casa na selva durante muitos anos. Frio, calor, chuva ou sol. Deitei na rede quando estive doente e usei como refúgio nos meus momentos de angústia. Muitas noites olhei para o céu desesperado e com medo, outras eu dormi confiando na esperança de paz. Sempre embalado pelo som da brisa nas folhas das árvores, o som de um rio e cercado pela selva, eu temia que o estrondo de uma bala ou bomba explodisse na noite e destruísse tudo.

Cada passo e cada foto me desafiaram, hesitei e tremi. Não estou de acordo com o uso das armas em nome da paz e da justiça.

As condições que motivaram a origem desta guerrilha não se resolveram. Muitas regiões seguem abandonadas e não tem uma resposta do Estado aos temas básicos como saúde, educação, moradia, terras, meio ambiente e sustentabilidade.

Hoje, cinquenta e sete anos depois de ter começado a guerra e com um acordo firmado que propõe uma rota para caminhar até a saída do conflito, a desigualdade e o medo são cada dia piores. As vítimas e aqueles que dispararam as armas são quase sempre irmãos de uma mesma classe: pobres, filhos de outros pobres. Aqueles que enriquecem com a guerra não parecem dispostos a maiores mudanças.

Na Colômbia, a morte e o deslocamento forçado se converteu em uma paisagem cotidiana, em manchetes de jornal, em cifras de relatórios burocráticos.

Quero enviar um abraço a todas as vítimas das violências, aos que choram seus entes queridos, aos que tentam continuar adiante apesar de morar em um país que tem visto a violência e sangue durante décadas e que a única constância é o medo. Quero dedicar estas páginas com respeito e amor, por sua dignidade e por aqueles que já não estão.

Federico Rios Escobar

Texto publicado no livro Verde, de Federico Rios Escobar

 

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